... havia ganhado um livro. Dele. E ele não era qualquer garoto. Ele era aquele garoto.
Foi aquele garoto quem escreveu o livro. Disse timidamente que havia escrito um e ela claro, pediu.
E ela sempre pedia coisas. Ele trouxe o livro, sem dedicatória alguma. Que triste - pensou ela, assim não é vantagem nenhuma conhecer um escritor!
E o livro permaneceu guardado em sua estante durante meses, junto com outros livros, outros livros que ela achava que jamais conseguiria ler.
Havia tantos livros da escola e tantas coisas pra ler!
Era uma tarde fria de começo de férias. Daquelas tardes existentes para ficar debaixo do cobertor bebericando uma bebida quente e muito doce. Não havia nada para fazer. Não havia nada que parecesse melhorar aquele mal humorzinho.
Sentia-se sozinha, repassou mentalmente todos os seus projetos para férias e decidiu começar naquele instante.
Foi até a estante e pegou o livro. De bruços, debaixo do cobertor, ela lia atentamente. Aquele livro, o livro dele.
Supreendendo-se a cada linha chegou ao final extasiada. Há muito que não lia algo tão bom e emocionante.
Era emocionante porque aquelas linhas guardavam muito talento. Essa parte a cativava por demais.
Ao chegar no final do livro, resolveu ler uma segunda vez. E dessa vez, repassar cada momento que havia achado mais legal, fazendo anotações.
Brincou de ser professora, brincou de ler a redação de um aluno. Esse é um dos mais inteligentes - pensou. E ele era, era o mais inteligente.
Morava numa biblioteca e sabia todos os assuntos, sempre tinha um livro pra recomendar. Sempre tinha um livro pra emprestar.
E sempre tinha os brinquedos mais legais que ele levava no dia do brinquedo.
Eram colegas de classe, daqueles que senta ao teu lado, na quinta fileira, na segunda carteira da esquerda pra direita.
Explica a lição e divide o lanche. E traduz o próprio livro e ainda lê em voz alta se você pedir. Te faz acreditar que a vida é poesia.
E ela gostava de pensar que isso só acontecia porque era ela. Ela não queria ter que pedir nada e tentava não pedir nunca.
Quando ele não estava, um vazio tomava conta da sala de aula. A garota então, escutava alguém entrar na sala e olhava em direção a porta. E nunca era ele.
Naquele dia, o garoto não adivinhou que ela estava lendo o livro que ele mesmo escreveu. Perdeu o jogo de adivinhação. E olha que ele estava indo tão bem!
No livro tinha a história de um mago aprendiz que encontrava um demônio. uma história dentre tantas outras histórias que a garota ainda esperava escutar dele.
Ela não era uma dessas garotas. Ela era aquela garota.
E naquele dia aquela garota escreveu em seu diário sobre o livro que aquele garoto havia escrito.
Porque ela leu aquele livro naquele dia e parecia que tudo ia ficar bem.
4 comentários:
Se alguém algum dia provar que talento é genético, o Fred Flintstone, meu ego, vai inchar muito!
Tio, mó feliz que você lê meu blog, sabia?
Eu estou gostando muito do que você escreve. Gosto do estilo.
Apenas uma coisa me deixa muito, muito preocupado mesmo: você deixa transparecer uma enorme tristeza, uma solidão que chega a gritar.
Tio, tá tudo bem, obrigada pela sua preocupação. Eu acho que no fundo, enquanto eu morar aqui, vou me sentir um pouco triste, sabe. E a solidão deve ser uma consequencia disso, mas sabe, desde que comecei a escrever mais, ela tornou-se bem vinda e eu tento tranformar em algo bom, eu tento né.
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