sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ensaio sobre o desapego.

Tudo ficou bem pior depois que a família resolveu arranjar um gato.
O local que já era quente e úmido ficou um pouco mais abafado e claustrofóbico depois disso.
"Não podemos deixar as janelas abertas, o gato foge" – é o que diziam.
Sim, é da natureza dos gatos fugir. E não há porque segurar. Todo gato vagabundo volta quando dá fome.
O calor entrava pela casa e lá ficava. A umidade corroía as paredes, deixando marcas de mofo e bolor.
Havia alguns fumantes na casa, o que tornava o ambiente um pouco mais pesado, já que a fumaça ficava impregnada no teto, não tendo para onde ir.

Chorava debaixo do chuveiro. Sem acreditar que um dia pudesse sair dali.
Juntava muitas moedinhas dentro de uma lata de achocolatado fazendo até o impossível para que um dia as coisas dessem certo.
Um dia as coisas deram certo, ainda que tenha levado muito tempo até então.
E nesse dia foi embora para nunca mais voltar.

Um tempo depois ficou sabendo que o gato havia fugido.
E no dia seguinte avisaram, a família havia morrido durante o sono. Causas desconhecidas.
Recebeu o laudo médico. Parada respiratória fulminante.
Fim trágico.
Chorou pelo inevitável, mas já havia desistido há algum tempo.

Agora, sem gato e sem família poderia abrir as janelas.

Mas já era tarde. Estava longe.

Como tantas outras coisas, não fazia mais diferença alguma.