terça-feira, 28 de setembro de 2010

Eu segurei em sua mão e disse:

- Vem! Vem, não vai doer nada, eu prometo!

Sei que a cada nova cicatriz, fico mais resistente, porque cria uma casquinha que protege. Torna-se difícil machucar mais de uma vez no mesmo lugar.
Mas ainda assim, me sinto fraca. Fraca porque eu não consigo esquecer. Eu tenho medo de cair de novo.
Com o tempo a gente esquece os machucados e vai perdendo o medo de se machucar denovo. Quando não tem casquinha pra arrancar, é que ainda não deu o tempo pra esquecer.
A gente lembra da sensação de dor. A gente toma um choque e fica com medo de subir o interruptor com a mão molhada denovo. Porque a gente lembra daquela dor, ocasionada pela troca de elétrons.
Mas depois a gente esquece e mexe com eletricidade denovo. Sem medo, sem lembrar que pode tomar um choque. É assim mesmo.
Me derrubaram, eu cai e fiquei por um tempo ali, sentindo o sol bater nos novos cortes que eu ganhei ao rolar pelo chão morro abaixo.
Doeu, doeu pra porra. Senti o sereno que veio depois batendo na cara e resolvi me levantar, enxugando as lágrimas na camiseta pra ninguém ver.
Cobrindo meus novos cortes com uma jaqueta preta velha, pra ninguém tentar passar metiolate. Eu não preciso de metiolate. Metiolate é só um jeito de fazer a ferida arder.
É só um jeito de arder de um jeito doce, com cara de carinho de mãe. Não sei se as minhas feridas precisam ser limpas por terceiros, cobertas com metiolate.
Já aprendi a limpar as minhas feridas sozinha. Alcanço a caixa de metiolate sozinha, se eu quiser. Foram vários machucados, uma hora a gente aprende.
Eu tapo com bandaid e tento fingir que elas não existem. Mas não adianta, elas ardem mesmo assim. Mesmo com o Metiolate, mesmo com o Bandaid.
Uma hora essa ferida fecha. Enquanto isso, ao tomar banho, choro debaixo do chuveiro porque a água quente também faz arder.
E tudo faz arder, acredite em mim. A saudade faz arder, a falta faz arder, o vácuo faz arder.
Meus machucados só ardem pra eu tomar mais cuidado da próxima vez. Pra cada vez que eu subir um morro, eu lembrar que eu posso cair.
É aquela sensação, que dá o medo de se machucar denovo. Meus machucados são ainda cortes e não cicatrizes com casquinhas para eu arrancar e jogar longe.
Por isso ele arde, dói e dá medo.
Quando criança minha mãe jogava mercurio em todos os meus machucados. Ouvi dizer que dá câncer. Sei lá. Paramos com o mercurio por aqui.
Mágoa também dá câncer. Por isso, tento me livrar das mágoas também, no mesmo saco de lixo que jogo os tubinhos de mercúrio.
Mercurio não arde, é o que ela dizia.
Só porque não arde, não quer dizer que cura, então tudo bem se arder, uma hora sara, quando casar sara, é o que dizem, pois vai ver que é isso mesmo.
Quando eu casar, sara.

2 comentários:

lucas disse...

Cara um dos mais fodas que li até agora do seu blog...as metadoras foram compostas perfeitamente! me inspiro nos seus textos para escrever...ou seria em vc? OMG...são reflexos não? seus textos com o q é vc? ou pelo menos parte...devanei agora.bjs

Mayra disse...

Sério, Lucas? Poxa, porque você não me mostra os seus textos?
Bom, vou te contar um segredo (ok, não é tão segredo assim), muitos dos meus textos tem de mim. Não é tudo, mas a maioria deles parte de traços autobiográficos. É esse o caminho que eu uso para escrever. Vem de mim e aí, vou juntando com outras coisas. Então vai ver que tu se inspirou em mim mesmo (dependendo do ponto que tu pegou) ou não, porque o mundo é de todos né? As coisas não acontecem só comigo, por isso talvez você tenha achado legal e se identificado para se inspirar e escrever a partir deles.
Legal seu comentário. Muito reflexivo.
beijos